Domingo de Páscoa


Na minha família de origem comemorava-se o Natal mas quase não a Páscoa. Esta eram amêndoas, nos tempos melhores com recheio, um ocasional folar mas sem padrinho que o ofertasse. Do primeiro recordo ser indistinto o pinheiro ou o presépio, decorativos apenas como a falsa neve ou as bolas cristalinas brilhantes, fingindo estrelas; realidade sim, até à adolescência sonhada primeiro, antecipados depois na própria noite insone, os presentes, escondidos pela casa, surgidos com ou sem sapatinho, pela magia fictícia de um velho de barbas que desceria pela chaminé.
A simbologia desses dias surgiu depois, mesmo sem religião. Poderia ter-se o Natal tornado ao menos na festa da família; tornou-se, porém, a Páscoa a comunhão da ressurreição: incapaz de conceber o Absoluto tornado relativo porque meramente humano, resta-me o Domingo como celebração do Espírito que sobrevive ao corpo crucificado de um magnífico seu apóstolo, a transcendência afinal sem substância, essa a verdadeira grandeza de inominar o Indizível.