O mistério

É a Páscoa que marca a diferença, não o Natal. Neste, até os pagãos e os indiferentes se reunem em torno da ideia que é a Festa da Família. Na Páscoa não. Ou a evangelização cristã cavou um sulco nas famílias e nos seus membros, ou ficam-se as criaturas pelas amêndoas e por outras doçuras, algumas em coelho. E, no entanto, a noção da ressureição é hoje um anseio catártico em muitos corações doridos. Continua, porém, a ideia cómoda de que seja um Messias que morra por nós na cruz, subrogando-se ao nosso sofrimento. Nisso continuamos a ser pecadores impenitentes.
A verdade mais duvidosa é, porém, a de que esteja ali, cravado de espinhos, Deus humanizado. Não perdoaríamos à nossa humana mediocridade que o Impensável pudesse ser sentido deste modo tão doloroso.
Talvez seja essa a verdadeira natureza da Páscoa: o homem esperar pela redenção da sua condição de humano que ambiciona o pecado de pensar o Divino. O único incorpóreo, o Espírito Santo, esse, assim possível, garante a continuidade do mistério.