Deus não joga aos dados

Há "verdades de fé" na religião católica que se entranham em contradições que, ao serem resolvidas pela dogmática teológica, fazem o não crente cair no espanto. E abrem a porta para a heresia contra a palavra em nome do Verbo.
A ideia de que o Supremo Bem só cria seres bons e livres e que foi por acto voluntário dos Anjos, criaturas suas, uns escolheram a bondade e com isso a salvação, e outros o mal, e com isso se perderam, ainda pode resistir a um primeiro escrutínio da razão, por conter em si a congruência lógica que pode ser critério de verdade racional: por terem Alma, por serem puros espíritos, teriam a dignidade da livre escolha.
Mas que, sucedendo que  nessa escolha, assim o o postula a doutrina, os Anjos a tenham feito de modo irremediável porque irreversível, nisso equivalendo a livre opção à que não permite outra alternativa subsequente, e no caso dos Malignos, afinal Anjos caídos, a liberdade os condenou à danação irreversível é que faz nascer o ilogismo incompreensível. 
Não decorreria da Suma Bondade a possibilidade de perdoar? Não implicaria a mesma a Justiça uma redenção para os que quisessem regredir no seu mau passo, fruto do errado uso da sua liberdade, expiando a culpa, retornando ao caminho do bem para que pudesse obter a graça de uma absolvição? Não! Perdidos ficaram para sempre, porque nos Anjos a escolha, reza a teologia, é o que no homem é a morte: irremediável.
O mesmo se passa noutro ponto da doutrina, este, aliás, de modo mais agudo, quanto ao "pecado original". Por causa de Adão, seduzido por Eva, esta tentada pela serpente, afinal o próprio Diabo, foram aqueles nossos primitivos pais condenados, ele a ganhar o seu pão com o suor do seu rosto, ela a sofrer as incomodidades mensais da sua condição, ambos expulsos do Paraíso. Mas Deus perdoou-os, só que não o fez a nós «os degredados filhos de Eva», a totalidade da Humanidade, condenando-nos, por sucessão numa culpa que não temos, expulsos também do Paraíso e lançados nesta Terra, sentenciados a sofrer aquela pena a que eles foram poupados.
É isto o Ser Justo, vindo de quem cabe o Juízo Final? Justo, Aquele que condena quem não praticou o mal, porque perdendo-se eles, perdeu-se às Suas Mãos toda a Humanidade?
Poderia continuar e vou continuar. A não achar resposta sigo com mais afinco. A haver um Deus ele não pode ter sido construído pelo Homem. Não pode haver falácia que tenha de ser resolvida pela submissão ao insondável do "mistério", ainda que seja o caminho até ao Absoluto a partir do relativo.
Tudo o que é verdadeiro é simples e belo. A frase pertence a Albert Einstein, o mesmo que afirmou que o Senhor Deus não joga aos dados. Nem faz batota, acrescento, nesta véspera de Domingo.